POR QUE FALAMOS TANTO SOBRE O CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 NO BRASIL?

 

Por que falamos tanto sobre o centenário da Semana de 22? (Foto: Reprodução)

Obra Composição – Figura Só (1930), de Tarsila do Amaral

Por que falamos tanto sobre o centenário da Semana de 22?

Luiza Adas, fundadora do Museu do Isolamento, reflete sobre o legado do evento e as discussões que ele segue levantando

Recentemente, nas artes, só se fala em uma coisa: o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. O evento, organizado por artistas e intelectuais em fevereiro daquele ano, por ocasião do Centenário da Independência, foi um marco na história da arte e da cultura brasileira. Mas o que de fato essa semana significou? Quais os avanços práticos que o modernismo brasileiro trouxe ao nosso país? Hoje, trago algumas informações que explicam, de forma sucinta, como se organizou este movimento.

O evento aconteceu de 13 a 17 de fevereiro no Theatro Municipal de São Paulo, em 1922, a partir da articulação de artistas como Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Oswald e Mário de Andrade, dentre outros. O intuito do evento era mostrar a arte genuinamente brasileira que estava sendo produzida e expressa a partir de diferentes linguagens. O festival realizado no saguão do teatro, incluía não apenas exposições, como também apresentações de literatura e música, que propunham o rompimento com a arte acadêmica e o compromisso com a independência cultural da arte brasileira.

Modernismo brasileiro

Embora o modernismo brasileiro tenha sido oficialmente inaugurado a partir da Semana de 22, anos antes a classe artística e intelectual do Brasil já vinha se articulando para pensar uma nova forma de pensar e fazer arte. Ainda que o objetivo do movimento fosse desenvolver uma forma de pensar e fazer arte tipicamente brasileira, é inevitável ponderar que essa forma “moderna” de pensar tenha tido início nas vanguardas artísticas europeias, decorrentes do processo de revolução industrial, no final do século XIX e começo do século XX. Na ocasião, o Brasil passava por um processo forte de migração, a urbanização de São Paulo era cada vez maior e diversas pessoas, com maior poder aquisitivo, tiveram a oportunidade de experienciar a vida na Europa. Esses fatores combinados acabaram por resultar no desenvolvimento do modernismo brasileiro.

“Era uma elite falando da fazenda”: o Brasil por trás da Semana de 22 (Foto: Reprodução)

O modernismo no Brasil teve diversas fases. A fase mais conhecida do movimento foi a da Antropofagia. Fundada por Oswald de Andrade em parceria com Tarsila do Amaral e Raul Bopp, o manifesto foi inaugurado em 1928. Mas o que significou esse movimento? O que é a antropofagia? Antropofagia é o ritual de comer carne humana. Nesse sentido, como uma nova resposta às duas correntes anteriores (Verde Amarelismo e Escola da Anta), o movimento antropofágico pregava a aceitação da cultura estrangeira, para que a partir disso, pensássemos, sem copiar ou imitar, na arte brasileira. A ideia é que pudéssemos sim assimilar a arte europeia, já que isso era um processo inevitável, mas que esta cultura deveria ser absorvida pela brasileira, que colocaria na arte a representação da realidade do Brasil e do elemento popular, valorizando as riquezas nacionais.

Afinal de contas, qual o legado que este movimento deixa para nós? Quais as reflexões que trazemos a partir disso? O grande mérito do modernismo, ao meu ver, foi o protagonismo que ele garantiu à produção artística brasileira nacionalmente e internacionalmente. A partir desse movimento e de figuras como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Ysmael Nery, Alfredo Volpi, Jorge Amado, Lasar Segall e outros artistas desse período, pudemos pensar cada vez mais, e de forma independente, sobre nossa identidade e tudo aquilo que abarca “ser brasileiro”.

Palco da Semana de 22, Theatro Municipal de São Paulo tem programação especial no centenário da data (Foto: Divulgação)

Theatro Municipal de São Paulo, palco da Semana de Arte Moderna de 1922

Apesar disso, fica claro também que grande parte dos artistas que compuseram esse grupo não representavam a totalidade do que era a população brasileira. O grupo que liderou o movimento modernista era em sua maioria parte da elite paulista e de um grupo intelectual seleto que pouco vivenciava as dores e questões da vida de pessoas das demais classes sociais do país. Embora o movimento tenha trazido reflexões valiosas para nossa sociedade, ele não dialogou com grande parcela da população, uma vez que essa produção artística tinha seu olhar enviesado.

Nos dias de hoje, é necessário retomarmos os questionamento modernistas de 100 anos atrás, mas com suas respectivas atualizações. Qual a identidade brasileira que estamos construindo daqui para frente? Quem são os artistas genuinamente brasileiros que merecem foco nos dias de hoje? Como tornar essa discussão mais aberta ao público de massa? Se a arte nos serve também como uma ferramenta de reflexão, que possamos utilizar essas obras, feitas há 100 anos atrás, como objetos de análise para nos ajudar a mudar aspectos da sociedade atual.

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